sábado, 10 de maio de 2008

#6

"Eu estava sentada num canto, sozinha. Isso costumava se repetir. Tenho uma admiração pelo o que se é distante, dá um certo ar de mistério, e isso me atrai muito. Então me isolei naquele canto, onde eu era apenas uma observadora, sem ser observada.
Mil tópicos passavam pela minha mente, mas nenhum se fixou à ela. Observava aquele casal de jovens, pensava o quanto eles poderiam ser felizes e o quanto um poderia magoar - se não já magoou - o outro; observava aquela criança aprender a andar de bicicleta, o que me lembrou aqueles dois dias aprendendo a me equilibrar sobre duas rodas; de ligeiro, ouvia aquele freada brusca do carro branco, logo sucedida por extensas buzinadas. É engraçado e ao mesmo tempo deprimente ver as revoltas alheiras do nosso cotidiano. Imaginava como seria a vida de um filósofo, escritor ou pintor. Posso estar errada, mas sempre tenho a impressão que estes passam grande parte dos seus dias observando o alheio, em busca de inspiração. E era exatamente isso que estava fazendo. Algo raro de acontecer, pois sempre estive presa à uma palavra que tanto odeio, que é a rotina. Hoje estava quebrando-a, depois de um longo período intacta.
Comecei mentalmente a desenvolver uma narrativa. Lamentei por não ter um lápis e uma folha ao meu alcance, inspiração assim chega de repente, e se vai da mesma forma que chegou. Como sabia que esqueceria naquela narrativa facilmente, deixei-a de lado. Deixaria para outra ocasião, quando a dona inspiração batesse novamente na minha porta.
De súbito, aquele pensamento surge. Senti um aperto no coração, não sei por quê, mas senti. Talvez não devesse sentir, não tinha nenhuma razão. Eram águas passadas, ora turvas ora cristalina, mas águas passadas. Isso não mudaria o fato. Mas mudando ou não mudando, este pensamento ainda me perseguia, deixando-me sonambular tantas noites.
"Merda", pensei alto. Uma voz me fez acordar:

- O que disse?!
- Ahn?
- Perguntei que horas eram...
- Ah... cinco pras sete...desculpe-me.
- Valeu.

A pessoa deu as costas e desapareceu ligeiramente, sem olhar para a pessoa que respondera a pergunta "por favor, poderia me informar que horas são?" com um simples palavrão. Esperei o relógio apitar, dizendo que já eram sete horas, para me levantar daquele banco de praça. Minha inspiração fora interrompida, não tinha mais como fazê-la voltar.
Voltei pra casa, e me vi na obrigação de arrumar aquela bagunça. Tarde demais, já estava de volta àquela rotina. "Merda", pensei novamente, recolhendo o resto do que sobrou do almoço na mesa."


quatro de junho de dois mil e cinco, em conjunto, com saudosismo, para relembrar.

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